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É sempre errado julgar as pessoas?

Atualizado: 27 de fev.

Neste breve artigo, com linguagem clara e simples, damos resposta ao popular jargão "não julgueis", normalmente utilizado quando alguém precisa defender péssimos atos sem ter que argumentar.


Uma vez que tal jargão é principalmente (mas não exclusivamente) usado contra cristãos, baseado no que Jesus Cristo supostamente ensinou, exporemos não apenas a Filosofia Moral, como também sua refinada Teologia.


Note-se que o tema pode trazer ambiguidades na linguagem; por isso, ressaltamos: o assunto tratado é daquele ato interno de uma pessoa que, observando um acontecimento (como um crime ou uma imoralidade), julga os envolvidos classificando entre bem e mal.



1. Ponto de Partida

Coloquemos contra Aquino um argumento "cristão": não queiras julgar para que não sejais julgados (Mt 7, 1), disse Jesus.


Ainda que num nível meramente social, esse argumento possui peso: Jesus é uma figura famosa e exemplar. E, sendo Aquino um cristão, a palavra de Cristo lhe implica certa obrigação moral.



2. Resposta

Responde Aquino:

"O Senhor, no lugar citado, proíbe o juízo temerário que incide sobre a intenção do coração ou sobre as coisas incertas, como diz Agostinho. Ou proíbe, com as palavras citadas, julgar as coisas divinas, as quais, sendo-nos superiores, não devemos julgá-las, mas simplesmente crê-las, como diz Hilário - Ou proíbe o juízo não procedente da benevolência, mas, do espírito amargo, como diz Crisóstomo".
Suma Teológica, II-II, q. 60, a. 2, resp. 2.

Tomás de Aquino propõe 3 critérios para que um juízo seja justo [1]:



(i) que proceda de uma inclinação justa;


(ii) que proceda da autoridade;


(iii) que seja proferido pela reta razão da prudência.



Se o juízo proferido por alguém não obedece a esses critérios, há grandes chances de ser falho e, portanto, injusto.


Disto decorre que não é ilícito todo e qualquer julgamento, mas somente quando se julga por ira, ou quando se julga aquilo que não se conhece: as coisas divinas e o foro interior das pessoas envolvidas.


Aplicando o conceito a um exemplo concreto: não se pode dizer que alguém é mal de coração e condenado ao inferno, mas é perfeitamente possível julgar o que é conhecido, isto é, o exterior.



3. Interpretação

Tomemos um assaltante como exemplo. Um julgamento sobre ele será justo, desde que:



(i) Não o julgue por ira;


(ii) Julgue apenas o crime de que se tem conhecimento;


(iii) Julgue somente o que há de exterior, não interior.



E pode-se afirmar com certeza que ele errou e merece pagar por seus crimes, pois:



(i) É honesto desejar que justiça seja feita;


(ii) O julgamento se apoia na autoridade da razão, que diz ser o assalto um mal, e na autoridade do Estado, que classifica o assalto como um crime;


(iii) O julgamento se baseia no exterior, na ação realizada. Não se está dizendo que o assaltante é intrinsecamente mal, e sim que precisa reparar a ordem social que danificou.



Muitos utilizam a falácia do "não julgueis" para defender que não se pode falar publicamente dos erros e males que acometem nossa sociedade. Mas, é preciso se perguntar: se não pudermos julgar as ações entre boas e más, como poderemos decidir realizá-las?


É errado, por exemplo, condenar alguém imediatamente ao inferno por um delito (sendo que não se possui autoridade e nem competência para isso). Mas é NECESSÁRIO julgar a ação da pessoa, pois é sabendo o que é certo e errado que se pode decidir seguir o exemplo ou se abster.



4. Conclusão

Portanto, devemos julgar as ações (alheias e as nossas próprias), a fim de buscar melhorar.


Mas, é claro, nosso julgamento deve ser benevolente! Não somos juízes supremos da moral. Nosso papel é discernir o que é certo, denunciar o erro e AJUDAR nossos semelhantes a melhorar.


Ressalve-se que estas reflexões tratam daquele ato interno de uma pessoa que, olhando para um acontecimento, julga as ações dos envolvidos; tais reflexões não se aplicam absolutamente aos juízes civis e/ou eclesiásticos em cumprimento de ofício: estes possuem ferramentas para julgar inclusive o interior (em certo grau), como é o caso dos depoimentos do réu e confissão de crime.


 

Notas


[1] Suma Teológica, II-II, q. 60, a. 2, sol.


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